quarta-feira, 8 de junho de 2016

Você nunca disse que me ama

Me dirijo à sua casa numa tarde chuvosa:
- “Que não tenha quebrado o violão”.
Afinal, você nunca disse que me ama
E não seria a primeira coisa que quebra em mim.

Nossas rotas enfim voltam a seu curso natural
Se desenlaçam desse embolo que fomos
Eu e você.

Existimos? Sinto seu tremor em minha pele.
As portas antes-e-sempre abertas,
Se fecham com força ante meu rosto.

Agradeço pela dor,
Dessa vez vou deixar sangrar.
Afinal, você nunca disse que me ama

E eu também não disse nada.

segunda-feira, 25 de abril de 2016

Carta perdida ao futuro

Acordo com o rosto quente e o gosto amargo na boca anunciando a sua falta. Por dentro, me sinto em carne viva. Viva a cada toque; preparada pra morrer a cada ausência.

Hipérbole do sentimento que não ouso gritar, te entrego aos poucos tudo que de inteiro ainda existe em mim. A totalidade do meu ser se sente em casa mais uma vez e diz: é pra isso que somos feitos, não adianta tentar fugir. 

O peito se encolhe em busca de algum abrigo que o possa aconchegar. Se carinho, deita; se empurrão, corre. Se carinho, dorme; se empurrão, morre. E ressuscita tal como bela adormecida, com a pele mais vermelha do que antes, te pedindo por cuidado. 

O problema de abrir a armadura é querer fechar lá dentro tudo aquilo que toca o real. Como lembrança de um amor passado, me faço gaiola ao redor das suas asas, ao tempo em que choro por me-ver-te atrofiar.

domingo, 18 de outubro de 2015

Alegre

No calor paralisante
Do sul do que vem de cima
Sufoco eterno
Nostalgia presente do não vivido
Martelando na cabeça:
Volta.

Já não sonho mais com minha casa
Estou nela
E me faço menina
Através de suas entranhas.
Cercada por ruazinhas de paralelepípedo:
Solta.

Digo que não,
Jamais daria certo
Me apego a cada pedaço desse chão
Que se espelha sobre mim
E sorrio pela lembrança:
Fica.

Estou e não digo que vou
Mas nunca consegui voltar
E a cada gota de suor
Me encontro, me refaço
E desfaleço na voz que insiste em gritar:

Viva, sou seu lar.

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Reencarnação

Eu morri uma vez
E não percebi a morte
Vaguei pela cidade como se fosse corpo
Matéria
Assustei-me a cada outra alma
Encontrada pelo caminho
Todos tão mortos
Todos tão tortos
Peguei minha retidão de assombração
E falei como se fosse viva
E beijei como se fosse viva
E amei como se fosse viva
Mas a verdade é que
Eu morri uma vez
E me recuso a ressuscitar

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Parei

Enterro as mãos na terra. Nada. Limpo o laranja que ficou e tudo continua igual. Se pudesse pelo menos voltar ao momento onde tudo fazia sentido e o coração era um só inteirinho e cheio de verdades e certezas. Pra onde fui? Fui parar? Parei. Me deixei em algum canto daquela cidadezinha calorenta onde as mãos se faziam em laços de presente. Presente que lembra do passado que não existe mais. Se estou lá, onde fui parar? Fui parar? Parei.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Só eu

No ruído do ventilador é quando meu peito se faz mais meu. Todas as possibilidades me esmagam e, no escuro, a falta me faz mais eu. Queria ser Lúcia, Cristina e Margarida, mas por enquanto me contento em ser o quê sou. Insuficiente e insegura, seguro nas mãos que não estão por perto. Vazio.

Recorro aos ensinamentos da psicologia, mas acabo ligando a televisão. Com o quarto cheio de barulho mudo, minhas paranoias ocupam todos os cantos,

Escrever pra melhorar, escrever pra me ocupar, escrever pra acalmar, escrever.

Me ocupo, me encho até doer. Junto com mais uns verdes e dourados que estão por aí, só pra ver a consistência. Amasso tudo e engulo na esperança de que me façam vomitar paixões.


Chega pra lá, não me cabe mais aqui. Rasgo, sem medo. Implodo no que há de mais belo. Encho, empurro paredes, quebro vidros. Tô viva. Tô aqui. Sou eu. Só eu.

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Períodos Curtos

- “Pense nos períodos curtos. Eles funcionam. Toda vez”. Disparava com a frieza de quem não sabia o eco que aquilo fazia dentro de mim. Períodos curtos foi tudo o que tivemos. E ainda é tudo que restou. De todos os anos, nossos pedaços ainda estão largados por aí, em mim, nela, nas pessoas ao redor. Nessa cidade que não nos deixa em paz. A fumaça do café vai esfriando enquanto penso em como atingi-la de algum modo que a faça se sentir como eu, enterrada viva. O sufoco que sinto me faz sentir cada vez mais morta, lutando para conseguir qualquer lufada de ar que a traga de volta. – “Respira” – ela diz. Respiro.


Respiro e tento mandá-la embora o mais rápido possível, torcendo para que ela não perceba minha luta solitária. Ela ri. Ri demais. Eu absorvo aquela claridade até desaparecer. Sumo de mim. Ela não. – “Quando é que você vai começar esse livro? Gosto tanto dos teus textos” - Todos pra ela. Todos malditos textos para ela - "Mais tarde" - eu digo, e escondo todo o resto.