Na noite quente de um fevereiro sub-tropical,
ela apareceu. Sutil como sempre, mas não por isso menos perturbadora. Entrou
pela porta dos fundos e se escondeu embaixo dos meus lençóis. A visão de seu
corpo ali deitado, imóvel, não me assustou. Acostumei-me com suas aparições
noturnas. Enquanto a observava, só imaginava o impacto que isto teria pela
manhã, quando ela estiver ido.
Deitei-me ao seu lado e ela se multiplicou.
Eram agora três, cercando minha angústia estampada. Falavam sobre assuntos que
eu não compreendia enquanto a única coisa que me importava era a proximidade do
seu corpo, a pouco mais de um palmo de distância. As luzes se apagaram em uma
força do pensamento e a distorção sumiu. Estávamos agora só eu e ela, cobertas
até a cabeça em uma tentativa fracassada de abafar os pensamentos. No silêncio
inédito, me permiti pela primeira vez olhar em seus olhos sem medo que os meus
denunciassem minhas intenções. Ela percorreu o caminho curto até minha boca e
me deu um beijo rápido e caloroso, selando nosso pacto invisível. Tentei
retribuir com um beijo silencioso em seu rosto, mas não a alcancei da primeira
vez. Encorajada por sua aproximação espontânea, me lancei de novo em sua
direção, agora acertando de leve sua bochecha. Ela não achou suficiente, não
aceitava metades. Com seu poder de me persuadir com o olhar, me fez dizer o
quanto a queria. Seu sorriso se abriu como se abre uma cortina pela manhã,
deixando toda aquela luz penetrar em mim. Nunca vira seu sorriso bonito assim
com nenhuma outra pessoa. Pensei, pelos dois minutos restantes, que poderia
fazê-la feliz. Ela me abraçou e dormimos, com a certeza que poucos encontram
nessa vida de estarmos exatamente onde deveríamos estar. Aí então abri os olhos
e já era de manhã.